Monday, March 15, 2010

Sento-me e vejo o mundo correr à minha volta. Nada é meu, nada do que se passa me é familiar.
Já não consigo pensar nisso.

Lembro-me de ontem. Estava no centro de Lisboa, com os carros e o barulho, quando de repente a cidade se cala. Parecia o cenário de um filme western. Por um momento, consegui ouvir um pardal castanho, de bico curto e mordaz, a chilrear a sua cantoria, ouvi as águas que corriam nos canos, outrora novos e alegres, por baixo dos meus pés, escutei o estalar das pedras que se queixavam da passagem do tempo que levemente lhes retirava a forma e a alegria da cor e o vento com a sua melodia suave. E enquanto, pensava que até havia um certo traço de felicidade nesta serenidade inesperada, que eu sorvi tão bem, algo abalou este silêncio.
Tac... passam dois segundos e novamente tac... Tento descobrir o que fazia este barulho e, mais uma vez, tac.. Tudo calado e só este "tac" permanece. O pássaro voou, os canos calaram-se e as pedras endureceram. E eu, tentava descobrir que barulho afectava a minha serenidade.
Tac e, por final, descubro o que destruía a minha realidade, segundos antes feliz. Tudo se transforma em mágoa ao descobrir quem causava o ruído. Eu, estático, espantado, imóvel. Ele, idoso, cego, frágil. Nesse momento desabou o meu mundo. Sozinho e perdido neste espaço frio e cruel. Só eu, a minha ignorância e quem perturbava o meu silêncio.

E é, por isso, que me sinto uma besta...

2 comments:

Ana, Dona do Café said...

:) Não ias adivinhar...
Pensa que, tal como tu estavas a descrever tudo isso, a cada som ele estava a ver exactamente o que estavas a descrever...
Acontece.
Beijo

andré said...

era impossível de prever. mas é difícil ignorar como algo tão ténue como o bater de uma bengala nos distrai de uma imagem que nos agarra naqueles breves segundos