Thursday, November 30, 2006

aquele que queria mais

Há 71 anos o mundo ficou mais pobre.
Perdemos alguém que conseguia mostrar a sua dor, sem escrever sofrer.
Conseguia falar de si, sem dizer eu. Conseguia escrever enigmas de tamanha beleza, que ainda hoje os contemplamos e passamos horas de volta deles, buscando uma solucção, tentando encontrar uma resposta, admirando a sua harmonia.
Há 71 anos o mundo perdeu um pouco da sua subtileza, as coisas tornaram-se mais lineares, mais óbvias, menos divertidas.
Ainda hoje comemoramos a sua vida, através das suas belas palavras, que nos conseguem partir o coração, ou levar-nos aos píncaros da alma, ou fazer-nos ponderar.

Há uns que têm a sorte de ter um pouco de poeta, depois há Pessoa. O génio. Inimitável.


"Depus a máscara e vi-me ao espelho. —
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha. "


Álvaro de Campos

Monday, November 27, 2006

natal em flor

Já há aquele sentimento de que é Natal e não é pela disputa acesa sobre o referendo do aborto, nem pelos políticos que lançam os seus livros, numa tentativa de comprar mais uma casinha no Algarve ou numa zona protegida, preferencialmente, que tenha ardido recentemente.
Na televisão vemos os inúmeros anúncios para os mais pequenos: as barbie's e as tralhas da Floribella para as miúdas e os Action Men e os Pokémon (ou o que quer que seja que agora está na moda) para o putos. Por outro lado, vemos ainda os brinquedos para os adultos, que prometem sucesso nas múltiplas facetas da vida.
O tempo também nos dá essa novidade, ultimamente de forma mais selvagem que antes, o que leva a que muitos nem pensem no Natal, mas sim no porquê de todos os anos haver cheias sempre nos mesmos sítios. Nos transportes também já se sente o espírito natalício; as pessoas andam mal-humoradas, pensam como gerir o dinheiro, como esticar o orçamento para dar ao filho, que protesta contra as aulas de substituição, aquela prenda de duzentos euros.
À porta das pastelarias cheira-se o Natal, porque nem todos o podem provar. Por detrás do balcão está um senhor gordinho, que, de alguma forma se assemelha ao Pai Natal. Quem sabe se pela cara de parvo e pelas gordas bochechas rosadas.
Na rua também os sem-abrigo e todos os menos afortunados cheiram e sentem o Natal que passa, mas que nunca chega.

Mas, como em tudo, também há o lado bom do Natal. Parece que nesta altura do ano estamos mais abertos a ajudar, se calhar porque notamos que somos, todos os dias, bafejados pela felicidade. Talvez sejamos, como diz Zé Miguel, "crápulas que têm a sorte de poder ter a vida que têm gozando ainda do previlégio de dela se poder queixar" e notemos que podemos ser úteis e deixemos de olhar só para o nosso umbigo, só durante meia dúzia de dias. Ou porventura esta é a altura do ano em que a vozinha da consciência grita mais alto, porque observamos os contrastes, que estão mais acentuados que nunca.
Por isso, faço minhas as palavras de Possidónio Cachapa, "...Bem-aventurados: (...) os que se voluntarizam todo o ano para encontrar roupas, comidas e palavras de reconforto e levam tudo isso aos vãos de escada húmidos, tresandando a urina; (...) os que irão morrer por estarem algures no mundo a dar vacinas e a meter colheres de alimentos na boca de crianças com a face coberta de moscas, enquanto à sua volta, famintos desconfiados discorrem sobre o que fará este estrangeiro no meio deles e se será muito difícil estrangulá-los e fugir com o seu relógios que parece valioso. Bem-aventurados os que amam... Porque deles, deveria ser o Reino da Terra...".

Tuesday, November 14, 2006

ainda acreditas?

"Talvez não haja razão nenhuma e todo eu seja demência, ou urgência, não sei…
Talvez não sejas tu, nem seja eu, nem tenhamos nós que existir.
Talvez devesse simplesmente deixar fugir o momento, em que dentro de ti navego e sonho e acordo a rir.
Talvez tu não sejas mais do que tudo aquilo que a minha imaginação quis criar.
E não sejas bom nem mau, não sejas forte nem fraco, não tenhas por dentro tanto além daquilo que eu vejo por fora (e que, aqui entre nós, é pouco…).
Talvez a razão não me acompanhe nesta viagem e eu percorra a estrada apenas como um louco, sem pequenas questões nem grandes respostas.
E então, poderão perguntar-me:
- Mas afinal, porque gostas?
Talvez eu nesse instante possa responder que é justamente
esse não sei quê, que nasce não sei quando, vem não sei como e dói não sei porquê que me faz acreditar."

Luís Vaz de Camões